quarta-feira, 14 de março de 2012

Liber Mortis - Prefácio

A - As Raízes Linguísticas da Morte

Única certeza, mas, mesmo assim, um dos maiores mistérios humanos, a morte mostra, linguisticamente, algumas variações nas Raízes cujos significados a ela nos remetem. Segundo Saussure, o pai da Linguística moderna, (2006, p. 216), "[...]chama-se Raiz ao elemento irredutível e comum a todas as palavras da mesma família". Ou seja, é o gene da palavra.

Aplicando isso ao assunto abordado, a Raiz mais usada e conhecida pelos falantes das Línguas Românicas é a Latina {mort}, oriunda do sânscrito {mor}, cujo significado é “falecimento, perecer, destruir”. Todavia, essa Raiz não é exclusividade das Línguas Neolatinas. Ela está presente no inglês mortal {mort}; no croata e esloveno smrtnik {smrt}; no letão mirstīgo {mirst}; no maltês mortali {mort} e no polonês śmiertelne {śmierte}. Obviamente, sendo essas Línguas “descendentes” do ramo Indo-Europeu e sendo a morte um fenômeno que assombra a humanidade desde sua origem, não é surpresa que haja uma Raiz universitária para ele.

As Raízes das Línguas Germânicas, por sua vez, parecem estar mais ligadas ao Grego: {thanat}, oriundas do Gótico dauthus, cujo significado é morte. Essa Raiz se encontra presente no inglês death; no alemão Tod; no dinamarquês e norueguês død; no holandês dood e no sueco död. Nas transformações Linguísticas, é comum a transformação do t em d (t > d). Não se pode dizer que {thanat} tenha originado dauthus, mas é notável que há, sim, uma Raiz ancestral comum a essas duas formas.

Outra forma grega é {necr} (de necrose e suas variantes). Essa Raiz parece ser mais comum tanto às Línguas Neolatinas como às Línguas Germânicas. Está presente no alemão Nekrose; no catalão necrosi; no estoniano nekroos; no francês nécrose; no sueco nekros etc. A influência dessa Raiz atravessou o mundo Indo-Europeu, e foi adotada em idiomas não oriundos desse ramo, como o finlandês nekroosi e o húngaro necrosis.

Mais uma Raiz latina com significado “morte” é {let}, presente em palavras como letal e letalidade. Vale notar que, dentre as Línguas Germânicas, sua forma está presente apenas no inglês lethal. As demais utilizam derivações como na forma do Gótico dauthus. Isso, claro, aconteceu por conta da “transferência” de vocabulário às Ilhas Britânicas, quando da invasão normanda em 1066.

Outra, não necessariamente significando morte, mas, sim, “que causa morte”, é a Raiz Latina {torp} (de torpe, entorpecente, torpedo e suas variantes) e a também Latina {cad}, que quer dizer “cair, perecer”.

A Raiz Indo-Europeia *{ster} "deu origem" (vem sempre entre aspas, quando fizer esse tipo de afirmação, pois, certamente, houve um longo caminho a ser percorrido entre a Raiz e sua derivada) ao alemão sterben, que significa morte literalmente. Também originou a forma latina strangulare que, posteriormente, agraciou o português com seu estrangular.

Se existe o morrer, existe o matar. O Indo-Europeu *{mer} foi a Raiz das formas maúrþrjan do gótico, morden do alemão e murder do inglês. Foi ela que originou o mors latino e suas derivações. Todavia, em Português, "matar" é mais complexo: houve a aglutinação da Raiz latina {magn}, originada pela {meg} grega (a mesma da palavra "mega" = grande), mas, nesse caso, significando "vida", com a Raiz {act}, significando "fazer" ou "levar". Algo como "levar a vida" (sabe-se lá para onde).

É o suicida quem leva a própria vida. Escondida nessa palavra, encontra-se a Raiz latina {cad}, também presente em cadáver e cair, que, por sinal, é o significado desse Morfema. O suicida é, pois, "aquele que faz cair a si mesmo", da mesma forma que o homicida "faz cair o homem" e o inseticida "faz cair o inseto".

Poético é o significado de óbito: {ob} significa espiritual e {it} significa caminho. É o caminho que o espírito pega para seu repouso eterno.

Uma vez mortos, precisamos de um lugar para ficar. Mais especificamente, para deitar. É esse o significado da Raiz latina {jac}, de jazer (do famoso "aqui jaz...") e o jazigo propriamente dito.


B - A Morte e a Literatura de Cavalaria

O cenário é conturbado: a Europa do século VIII ao X, com seus reinos recém-formados, após a queda do Império Romano no século V. invasões, guerras, disputas de (e pelo) poder... tudo isso faz parte do dia-a-dia do herói épico medieval (assim como de todo o povo medieval).

Tal realidade era, certamente, visível aos olhos do(s) autor(es) dos poemas e histórias de cavalaria, quando da sua elaboração, e esses elementos não poderiam deixar de constar nos escritos, uma vez que a literatura nada mais é do que a representação artística da história, vista por aqueles que têm o poder de abstrair os fatos “reais” e transformá-los em “sua história”, com nuances e características próprias. É como uma fotomontagem dos dias atuais: o real está lá, escondido, e cabe àquele que vê a mudança discernir o que existe do mundo “palpável” daquilo que é abstrato, metafórico, ilusório e irreal.

O cavaleiro épico não tinha medo da morte. A glória em morrer como um bravo guerreiro superava qualquer temor de perecer, uma vez que seus atos, sua coragem e sua bravura o conduziam para um destino glorioso – vencendo ou não – pois em ambos os casos ele seria visto como um realizador de benfeitorias, tendo, assim, cumprido seu papel de cavaleiro.

Embora iminente e previsível, a morte de um bravo cavaleiro era lamentada na proporção de sua bravura e feitos. Em epopeias como “A Canção dos Nibelungos”, há um grande lamento por partes daqueles que causaram a morte do protagonista.

É provável que os garotos da época medieval sonhassem em se tornar cavaleiros. Toda a força, “pompa” e grandeza que a imagem representava certamente deveria atrair o fascínio de jovens em todos os cantos da Europa. É o cavaleiro que faz o papel do próprio rei numa batalha; lá, ele o representa, assim como representa seu povo e seu país. É por sua luta que seus senhores expandirão ou diminuirão seu poder, seus territórios. O futuro dos próprios reis e de toda a nobreza dependia da ação cavaleiresca.


C - A Morte e o "amor"

Mais simples, impossível: uma certa pessoa ama, mas não é correspondida, ou perde seu grande amor para um arqui-inimigo, ou o amor de sua vida morre antes dela. O que faz então? Mata e morre por esse amor inalcançável.

É um elevado grau de egoísmo e possessão que faz com que se mate por amor, bradam incessantemente os inúmeros especialistas que surgem após ampla divulgação destes casos pelos meios de comunicação, quando ocorrem. Para odiar, basta amar. Para matar, basta ter o(a) outro(a) vivo(a), ter amado e, em seguida, odiado. Tão simples e lógico quanto o próprio amor.

D - A Morte e o medo

Se 90% das religiões pregam que o pós-morte é um lugar muito bacana e legal, por que as pessoas (a maioria, pelo menos) têm medo de morrer? Por que não existem suicídios em massa para a tal viagem? (tá bom, vai... vez ou outra, sempre há um grupo de fanáticos religiosos que cometem os suicídios em grupo). Será que:


a- Pelo sim, pelo não, é melhor ficar por aqui mesmo (convenhamos que deve ser bem monótono ficar a eternidade de joelhos ouvindo um bando de anjos cantando);


b- DUVIDAM, bem lá no fundo, mas bem lá no fundo, que tal lugar exista.


Bingo.


E - A Morte e a Filosofia

Diz Nietzsche:

"Abstração feita das exigências que a religião impõe, pode-se muito bem perguntar: por que haveria mais glória para um homem que envelheceu, que sente o declínio de suas forças, ficar esperando seu lento esgotamento e sua dissolução do que ele próprio fixar, em plena consciência, um fim? O suicídio é, neste caso, um ato de todo próximo e de todo natural que, enquanto triunfo da razão, deveria, equitativamente, suscitar respeito: e até o suscitou naqueles tempos em que os guias da filosofia grega e os mais corajosos patriotas romanos costumavam morrer por suicídio.

Pelo contrário, é muito menos respeitável a ânsia de se prolongar de dia para dia por meio da inquieta consulta dos médicos e o mais penoso regime de vida, sem forçar para chegar mais perto do próprio termo da vida.

As religiões são ricas em expedientes contra a necessidade do suicídio: é um meio para se insinuar junto daqueles que estão apaixonados pela vida."

Bem dito. Os guerreiros de diferentes culturas se suicidavam por causa "da honra" (como os samurais) ou se entregavam espontâneamente à morte (como amplamente "documentado" pelas literaturas). A entrega espontânea à morte não deixa de ser, de certa forma, um modo distinto de suicício, mas com menos culpa do que aquele em que o executor e o condenado são as mesmas pessoas. Perdi a batalha com meu inimigo? Sem problemas, entrego-me à morte pelas mãos deles. Meu reino foi invadido, saqueado e destruído por forças invasoras? Da mesma forma, deixo deliberadamente que estes invasores façam minha sentença.

O ato de se entregar à morte é mais um gesto de coragem, ao mesmo tempo que traduz o medo da incerteza das consequências vindouras, caso esse ato não tivesse sido tomado. Vale mais, na forma do pensamento heroico, morrer nobremente a ter que passar o resto dos dias humilhado pelas forças dominantes.

O mesmo pode-se dizer do "morrer por uma causa", que não deixa de ser um ato de suicídio. O ato de entregar a vida a essa causa a torna mais digna, mas séria, mesmo que o suicida, obviamente, não esteja mais lá para presenciar se obteve sucesso. Todavia, isso não importa, pois a paixão e a cegueira o dominam, e ele entrega sua própria vida com prazer e orgulho.


Referências:

Tradutor google: http://translate.google.com.br/

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 29ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2007. 279 pág.

FERNANDES JR. A. Dialética da Língua Portuguesa. 1ª ed. São Paulo: Livropronto, 2007.

DAS NIBELUNGENLIED. Disponível em "The Oxford Text Archive": http://ota.ahds.ac.uk/.

KÖBLER, Gerhard. Indogermanisches Wörterbuch. Disponível em http://www.koeblergerhard.de.

NIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado Humano. Tradução de Antônio Carlos Braga. São Paulo: Editora Escala, 2006.

WRIGHT, Joseph. Grammar of the Gothic Language. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 1954. 383 pág.

Nenhum comentário: